15 anos, my God, há precisamente 15 anos atrás fui visitar a minha avó ao hospital e achei-a baralhada, mas hidratada, com bom aspecto, os "barris" de quimioterapia a correr por um lado, a bisnaga de morfina na barriga, dizia não ter dores e queria ir para casa passar a roupa a ferro da filha, das netas e do genro.
Do alto dos meus 20 anos tinha a certeza que se ia safar de mais um cancro, desta vez o LNH, porque ela era forte, corajosa e não podia morrer.
Aquilo que naquele dia 04/10/98 me pareceu um discurso um pouco descoordenado, que assumi fosse resultado de algum calmante, foram claras despedidas a todos quantos estávamos naquela enfermaria - despedida a nós e talvez as boas-vindas ao sítio onde estava prestes a entrar.
A enfermaria da minha avó não tinha flores naturais, não podia tê-las e a minha avó chamou-me para perto dela e disse-me assim:
- Olha Tanoka (era assim que me chamava e neste momento faz-me todo o sentido partilhar esta intimidade), este quarto está tão bem concebido, nunca tinha reparado. E aquele jardim e que cheirinho a flores tão agradável...afinal morrer é bom.
Jamais me esquecerei destas palavras; ainda lhe respondi que estava para ali a dizer disparates, a falar em morte, onde tinha ido buscar essa ideia, e que não me cheirava nada a flores e que dali não se via jardim algum.
Estupidez dos meus 20 anos - a minha avó estava a ver algum jardim, cheirava-lhe de facto a flores e eu não o corroborei, não fazia ideia que a morte vinha de facto daí a 2 dias, e que já estava na fase inicial do seu caminho para lá.
Mas continuou com as despedidas a cada um de nós; eu ia iniciar dentro de dias o meu 4º ano de Sociologia e a Avó, com algum sentido de humor que tanto a caracterizava disse-me que eu era uma "malandra" e que não me ia ver de traje académico com a minha capa negra pelos ombros, porque era teimosa e tinha decidido comprar o traje mesmo no último ano. Que era um dos seus "desejos" e que eu não o concretizei, mas que tinha deixado instruções à minha mãe que o traje seria uma prenda dela.
Como também uns dias antes deste desfecho me colocou nas mãos um envelope com uma soma em dinheiro para eu comprar umas botas de cano alto que andava a namorar, e que seriam a minha prenda de anos, daí a 2 meses.
Teve a serenidade de, uns dias antes do derradeiro internamento, dizer como queria ir vestida, como seria coberta a urna, que destino dar a alguns dos seus pertences e também que destino não dar a outros tantos - eu, e a minha irmã, na altura com 10 anos, fomos as ajudantes da nossa mãe, que, não tinha nem ideia de onde minha Avó guardava certos documentos e afins.
Mas recordo-me e penalizo-me sempre por, naquela altura não ter dado a devida importância a esta lucidez da Avó e achar que era mais uma recaída, e que a Avó não morria - a Avó não morre!
....e reitero que a Avó para mim é irrepetível, imortal e está sempre presente, ainda que não fisicamente na minha vida.
15 anos sem a presença dela, a voz, os olhos lindos azuis e expressivos, a garra, a honestidade, o pragmatismo, a justiça, o brilho, a humanidade, a inteligência....muita saudade, mas tudo o que recordo dela e herdei dela, vive aqui no meu coração.
Do alto dos meus 20 anos tinha a certeza que se ia safar de mais um cancro, desta vez o LNH, porque ela era forte, corajosa e não podia morrer.
Aquilo que naquele dia 04/10/98 me pareceu um discurso um pouco descoordenado, que assumi fosse resultado de algum calmante, foram claras despedidas a todos quantos estávamos naquela enfermaria - despedida a nós e talvez as boas-vindas ao sítio onde estava prestes a entrar.
A enfermaria da minha avó não tinha flores naturais, não podia tê-las e a minha avó chamou-me para perto dela e disse-me assim:
- Olha Tanoka (era assim que me chamava e neste momento faz-me todo o sentido partilhar esta intimidade), este quarto está tão bem concebido, nunca tinha reparado. E aquele jardim e que cheirinho a flores tão agradável...afinal morrer é bom.
Jamais me esquecerei destas palavras; ainda lhe respondi que estava para ali a dizer disparates, a falar em morte, onde tinha ido buscar essa ideia, e que não me cheirava nada a flores e que dali não se via jardim algum.
Estupidez dos meus 20 anos - a minha avó estava a ver algum jardim, cheirava-lhe de facto a flores e eu não o corroborei, não fazia ideia que a morte vinha de facto daí a 2 dias, e que já estava na fase inicial do seu caminho para lá.
Mas continuou com as despedidas a cada um de nós; eu ia iniciar dentro de dias o meu 4º ano de Sociologia e a Avó, com algum sentido de humor que tanto a caracterizava disse-me que eu era uma "malandra" e que não me ia ver de traje académico com a minha capa negra pelos ombros, porque era teimosa e tinha decidido comprar o traje mesmo no último ano. Que era um dos seus "desejos" e que eu não o concretizei, mas que tinha deixado instruções à minha mãe que o traje seria uma prenda dela.
Como também uns dias antes deste desfecho me colocou nas mãos um envelope com uma soma em dinheiro para eu comprar umas botas de cano alto que andava a namorar, e que seriam a minha prenda de anos, daí a 2 meses.
Teve a serenidade de, uns dias antes do derradeiro internamento, dizer como queria ir vestida, como seria coberta a urna, que destino dar a alguns dos seus pertences e também que destino não dar a outros tantos - eu, e a minha irmã, na altura com 10 anos, fomos as ajudantes da nossa mãe, que, não tinha nem ideia de onde minha Avó guardava certos documentos e afins.
Mas recordo-me e penalizo-me sempre por, naquela altura não ter dado a devida importância a esta lucidez da Avó e achar que era mais uma recaída, e que a Avó não morria - a Avó não morre!
....e reitero que a Avó para mim é irrepetível, imortal e está sempre presente, ainda que não fisicamente na minha vida.
15 anos sem a presença dela, a voz, os olhos lindos azuis e expressivos, a garra, a honestidade, o pragmatismo, a justiça, o brilho, a humanidade, a inteligência....muita saudade, mas tudo o que recordo dela e herdei dela, vive aqui no meu coração.
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