Não são para todos, ou não fosse o próprio filho de Zeus. Portanto parte-se logo do princípio que não vai ser fácil.
E de facto não consegui concretizar aquilo a que me propus, sem ajuda. Com ajuda, é chegar lá, dar um nome e uma data et voilà. Mas foi naquele dia, sem planos, que decidi ir ali. Sem coordenadas, mas sem saber como nem porquê, desemboquei ali e pela primeira vez tive vontade em estar perto.
É daquelas situações em que me vou arrepender para todo o sempre e, por muitos laços que tenhamos com as partes, se alguém nos impõe uma escolha…é não escolher e ser assertivo. Naquela altura não estava em condições para escolher e, não escolhendo, acabei por escolher. O tempo passou, as oportunidades foram escasseando e um dia recebo a notícia que jamais me passou pela cabeça. Que raiva senti de mim própria. Fui fraca, fui pelo caminho mais fácil e depois…depois veio o arrependimento e a culpa. Não pelo que aconteceu, mas por não termos usufruído de mais tempo, de mais risos, de mais abraços, daquela boa energia que tínhamos mas que por coisas da vida, nos afastámos. Fiquei zangada comigo e é algo irreversível. Porque é que eu cedi a uma chantagem emocional e dei palco a uma zanga que não era minha.
Culpa, culpa, culpa. E se calhar por isso como penitência achei que conseguiria procurar uma agulha num palheiro. Que na verdade já encontrei…mas este caso foi bem mais difícil, complexo e quase impossível. Como previ foi impossível.
Despedimo-nos atenção, tive essa possibilidade. Ainda que em monólogo, segurei-lhe a mão e disse o quão importante era para mim, lamentei o tempo de afastamento e pedi-lhe perdão. Sou adulta, era adulta, por muito que me tivessem obrigado a escolher um lado, e que escolha, tenho tenacidade suficiente para, doesse a quem doesse, continuar com o que achava certo. Mas estava fraca na altura. Não, não é desculpa. Fui fraca mesmo, cobarde! Mas as forças do bem uniram-se e eu soube a tempo de me despedir, de estarmos apenas duas pessoas naquele leito de morte, eu a penitente, e um ser a perderia força e a transformar-se em luz que emanava paz. Não senti toque, mas senti algo na respiração que me fez ter a certeza que me ouvia, e uma lágrima. Partiu horas depois. Não quis ir ao funeral, como não quis ir ao cemitério. Quando vi o seu corpo na urna percebi que não…não era o lugar de uma pessoa cujo desaparecimento eu não tinha considerado, e muito menos daquela forma.
E agora, passados meia dúzia de anos e sem planos, dei comigo à porta do cemitério com a missão de encontrar a sua última morada. Era possível, se as sepulturas, jazigos e gavetas estivessem identificados, mas não. Mesmo assim andei por alina percorrer talhões e corredores. E nisto, vejo o coveiro. E lá fui pedir ajuda…mas era fim de semana e, o senhor, vontade de trabalhar e abrir uns dossiers, não tinha nenhuma. Com ele, é mais mortos e ossadas. Incompetente.
Mais incompetente quando me aponta para Norte como estando ali ossadas de falecidos de 2015 para a frente, mas depois também me aponta para Este e até mesmo Sul. Em suma, percebi que não era apenas uma tarefa hercúlea, mas sim, sem fim à vista. Não que se trate de um cemitério demasiado extenso. Mas porque faltava pouco para encerrar e falta de identificação nos ossários. Eu merecia esta penitência mas tive que me render à evidência e assumir o meu grande falhanço.
Agora voltei à estaca zero. Parececque estou com medo de ter as coordenadas, ir lá e interiorizar que foi mesmo. Eu sou assim, não tenho problemas nenhuns em entrar num cemitério…mas para chegar perto dos restos mortais dos meus, algo tem de me impelir, os impulsos que nem sempre sinto.
Agora é esperar voltar a sentir aquela força anímica para ir e desta vez com a certeza de onde é.
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