Parece que vivo um sonho do qual vou acordar, olhar em volta e vê-la ali a olhar para mim, com os seus profundos e expressivos olhos azuis e o sorriso mais aberto que alguma vez vi.
A avó sempre foi verdade, em tudo; o seu olhar dizia-nos tudo, a entoação da sua voz e acima de tudo, os seus silêncios. Nos últimos dias em que estivemos juntas, disse-me muitas coisas e ouvi com incredulidade instruções para as suas próprias cerimónias fúnebres; eu tinha tão somente 20 anos e não considerava sequer essa hipótese e tudo me pareciam blasfémias. E quando eu ripostava que tudo aquilo eram disparates, vinham os silêncios, ainda mais pesados dos que as tais instruções.
Pelo sim pelo não, registei tudo na minha memória com atenção e uns dias depois vi-me forçada a transmitir à mãe tudo o que tinha ouvido e que deveria ser cumprido. Foi duro, muito duro para todos.
A avó foi a pessoa com mais vida que até hoje conheci. A avó tinha tudo a um nível sublime. A beleza, o olhar, a integridade, a honestidade, o carácter....a voz, ai essa voz e o quanto toda a gente, sem excepção vibrava ao ouvi-la cantar. Pequena em tamanho, mas grande em tudo o resto. A minha avó Isabel.
E não há um singelo dia, volvidos estes 25 anos, que não me recorde de si. Que não sinta a falta do seu abraço, do beijinho que me dava na ponta do nariz. Jamais alguém me beijou na ponta do nariz, quem mais se lembraria de tal, a não ser a minha querida avó.
Fecho os olhos e lembro-me de estar à sua espera nas famosas varandas do aeroporto, vê-la descer as escadas do Boeing "Jumbo" e ficar tão contente por ser a menina dos olhos da avó.
Xiiiii, e também me lembro de quando as coisas corriam mal para o meu lado e de quando eu ficava amuada e a avó me dizia que já estava cansada de me ver com "focinho de porco" - haveria lá coisa mais querida para se dizer a uma neta que tinha amarrado o burro.
E a avó temida por todos os miúdos da rua, pois quando me batiam ou me faziam mal, lá descia a avó os 11 andares do prédio com uma velocidade super sónica para pôr a juventude na ordem. Haja respeito; após saberem que a avó era minha avó, passei a ser o biju da rua. Não havia quem me fizesse diabruras.
Tenho tanta, mas tanta saudade e sinto tanto, mas tanto a sua falta. Neste momento precisava das suas iscas, dá para acreditar? Eu que torcia a cara quando saíam iscas, mas hoje, que por questões de saúde devo mesmo ingeri-las...só peço as iscas da minha avó. Não como, a não ser que sejam as da minha avó.
E dou comigo a pensar onde estará. Não tenho certezas quanto à morte, e em todas as minhas incursões filosóficas e científicas, não consigo chegar a uma conclusão ou seguir uma corrente, simplesmente não consigo. E por isso me pergunto, onde estará...?
Quando sonho consigo há algo de real, sinto que estivemos juntas, sinto que algures nos limites do subconsciente e da alma, eu estive consigo e a avó estava ali, como se o tempo tivesse parado e os anos não tivessem passado por si. E continuo a pedir que no meu dia, a avó me venha buscar. Porque uma ligação tão profunda, não termina com a morte física.
Agora, mais do que nunca preciso da sua protecção e da sua companhia. E sei que caso a tivesse ao meu lado, a força iria surgir. Tenho tanta saudade...
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