Vi esta imagem há dias nas redes sociais e o meu pensamento foi até ao Nuno. O Nuno ficou para sempre menino, muito embora, caso não fosse aquele acidente estúpido, hoje teria perto de 49 anos.
As famílias reconstruídas permitem estas ligações; crianças cuja probabilidade de se cruzarem eram nulas, mas como os pais se “encontraram”, nasce assim uma espécie de amor fraterno.
Tivemos azar porque convivemos pouco tempo, quando se auspiciava uma ligação para a vida, mas o Nuno, o Nuno teve o destino de ficar bom para sempre, de nunca ter magoado ninguém, de ser um menino de ouro, afável, educado….o Nuno não deixou memórias menos boas. A sua partida sim.
O Nuno tinha 11 anos, era o filho mais velho do meu padrasto e eu tinha 7. Éramos amigos, ainda brincámos muito. Quando o Nuno partiu precocemente eu não estava cá, pelo que apenas me foi dito uns dias mais tarde. Até aí nunca me tinha tocado aperceber-me da morte de uma criança, a não ser aquelas imagens terríveis do Biafra, como naquela altura era chamado um território da Nigéria, da Somália ou Etiópia. Eu sabia que essas crianças sucumbiam à fome, e por isso fui educada tendo como princípio não desperdiçar alimentos e sobretudo não deitar sequer um pedaço de pão fora. Por isso, ainda hoje, se me acontece raramente que algum pedaço de pão ganhe bolor, beijo-o e peço perdão antes de o deitar fora.
Mas de resto, as crianças não morriam, pensava eu. E o Nuno partiu. E foi uma partida injusta e quase inexplicável.
O meu padrasto ficou entorpecido e talvez também por isso a nossa relação tenha sido tão chegada e intensa. Porque o Nuno partiu, e eu, tendo uma idade próxima da dele, acabou por se dar o paradigma da “transferência” e a nossa relação ficou num limbo entre uma amizade indestrutível, uma relação de pai e filha sem o sermos geneticamente, mas também já sabemos que os laços de sangue não significam sintonia, amor, e por vezes a inexistência desses laços mostra autênticas relações profundas e para o resto da vida. Connosco foi assim.
Acabei por herdar duas coisas que haviam sido do Nuno: o seu xilofone, e o papagaio. O papagaio era gigantesco e ainda o fomos lançar algumas vezes, até que muito naturalmente chegámos à conclusão que aparte o papagaio ser meu, lançá-lo juntos não nos fazia bem. A ele, pai que havia perdido o filho de 11 anos, estar a replicar aquela sensação e olhar para o céu sem o ter ao lado, e a mim, com 7 anos, sempre à espera que ele voltasse do céu junto com o papagaio.
Esta imagem, com tudo o que lhe está associado muito XXI Century issues, levou-me apenas ao Nuno. À sua eterna infância e ao “nosso” papagaio.
Comentários