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Acerca da herança que tenho para lhe deixar

Se algo me acontecer hoje, tenho como qualquer pessoa, os meus herdeiros e para quem pensa que não os tem, lamento informar que em última instância, à falta dos legais, herda sempre o Estado português.

Mas eu tenho os meus herdeiros consagrados que não esse grande malandro que nos suga os ossos com impostos e taxas e, tenho obviamente a Herdeira, a Riqueza de sua mãe!

E deixando-nos de demagogias e bens materiais, o mais importante que quero que ela conserve enquanto tiver memória, são com efeito os bens não materiais.

As memórias do afecto que lhe dou, do carinho, da atenção, do amor, da dedicação e muito importante das experiências vividas  em conjunto ou não que lhe proporciono e que são o bem mais valioso a que podemos almejar.

Da minha avó materna já herdei uma coisa ou outra, coisas essas com muito valor e que nem as tenho comigo, estão algures num cofre forte. Coisas essas que não me recordam a minha avó e valendo muito e se calhar até me podiam resolver alguns problemas, quem sabe, são matéria. A maior riqueza está em tudo o que vivemos, aos locais a que me levou, a todas as peças de Ópera e Concertos a que assistimos juntas e que eu recordo como se ontem tivessem ocorrido. Até o cheiro da minha avó continua presente na minha memória olfactiva, 24 anos depois de termos dito "até logo".

Essa é de facto a maior riqueza. E não apenas as memórias de experiências boas. Também passei com ela momentos menos bons, mas onde o amor esteve sempre tão presente. As partidas dela no final do mês de Agosto, quando ainda circulávamos no Aeroporto de Lisboa à vontade e nos deixavam ir despedir dos nossos à entrada do avião. Assistir à sua chegada naquelas varandas...ai, recordo-me como se fosse hoje. Aquelas paredes exteriores do aeroporto pintadas a amarelo. Eram dias tristes quando ela partia, mas até dessas memórias eu sinto saudade.

Quero deixar na medida do possível uma boa herança à minha filha, ainda que com os altos e baixos que a nossa vida nos apresenta. Por isso tenho tentado na medida do possível proporcionar-lhe várias experiências que por ela são sentidas, vividas, retidas e espero que a ajudem a desenvolver uma mente ainda mais curiosa e ávida de conhecimento.

Desta vez foi acampar novamente. Lá foi com o grupo de amigas para Ferreira do Zêzere descobrir a natureza e descobrir-se a si, enquanto pessoa, enquanto pessoa num grupo, enquanto menina a fazer-se mulher.

Enquanto eu sei que ela está bem, eu estou tranquila, aparte a preocupação normal por ser época de incêndios e afins - mas a vida tem os seus riscos e o benefício destas experiências é em larga escala superior a tudo o resto.

Vem cansada, com mau feitio, com quilos de porcaria e como não sei se também com habitantes estranhos na farfalhuda cabeleira, just in case foi para a desinfecção que se consolou. E fez-lhe bem e um dia, quando estiver na casa dos 20 ou 30 anos ela vai recordar estes momentos, espero eu, que com muita saudade, aquela saudade boa.


A avaliar pelo estado em que vieram, por exemplo os sapatos, muitos quilómetros a mais naquelas perninhas há de certeza e muitas aventuras por contar.

E sim, no fim da minha linha eu gostaria tanto que ela apesar de todas as minhas falhas me lembrasse como: "uma mãe porreira!"

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