Mãe solteira não tem bode expiatório
Não existem mães solteiras, existem mães. Disse-o o Papa Francisco. Porque mãe não é um estado civil, caso contrário a taxa de natalidade era ainda mais baixa. Solteira, casada, separada ou viúva são adjectivos bastante instáveis. Quase todas as mulheres passam pelos quatro estados civis numa vida em que o marido se fina primeiro. Mãe não muda, jamais, da sua condição.
O facto é que há um surto de mães solteiras. Por opção ou destino, reproduzem-se gravidezes seguidas de partos que se transformam em maternidades de mulheres que viram mães (temporariamente) sós. E, excepto as viúvas, mais vale só que mal acompanhada.
Mãos ao ar! Seja de ajuda ou de aplausos a quem tem as mamas no sítio. É que quem dá conta do recado, neste caso um bebé a criar, fazendo tudo o que as outras mães não solteiras fazem, sem ter uma ajudinha à mão, é de se reconhecer mérito. Receio que o mérito seja uma palavra em desuso mas o casamento também é.
Por “ajudinha” muita coisa cabe dentro da mão: alguém que tome conta da criança cinco minutos porque se está mesmo aflitinha; pô-la no berço implica um choro ininterrupto e o xixi não será tão aliviado; alguém que se possa levantar uma só vez das dez que a mãe se levanta por noite; e alguém que possa mandar a mãe para a cama quando esta adormece no sofá com a espinha dorsal a lembrar o kamasutra.
Mãe solteira não tem bode expiatório. E é aqui que o mérito lhe é atribuído. Admitemos que todas as mães precisam, a dado momento, ir chatear alguém; só para aliviar do stress pois a criança fez uma birra gigante para comer com as mãos e já tem bróculos a nascer nas orelhas. Então, há alguém que vive ali em casa alienado dos legumes em orifícios infantis. O pai, marido ou namorado, um dia defunto. E que até deixou cair uma migalha, inocentemente, no sofá e à qual a mãe se agarra com todos os dentes e transforma no álibi perfeito. Ah, Ah! Para fazer uma cena porque está mesmo precisada. “Obrigada, querido”.
E mãe solteira faz o quê? Grita com o Cavaco na televisão? Arranha as paredes? Fecha-se na casa de banho e insulta-se a si própria ao espelho? É que um pai faz muita falta a uma mãe. Não apenas pelas razões óbvias do amorzinho e do agora-é-a-tua-vez, mas também para os três segundos diários de descarga da fúria maternal. As mães solteiras, no limite, engolem as próprias palavras e deixam-nas ecoar mentalmente. Têm uma percentagem ligeiramente superior de vernáculo impróprio para ser escutado por bebés. As primeiras palavras dos seus filhos serão “Mamã”, “Caramba” e “Por favor”. Muito bem educadinhos, cedo aprendem que quando se quer uma coisa, acrescenta-se um “por favor”. Na memória dos seus tenros dez meses, registam a sua mamã ajoelhada, junto ao berço, a rezar: “Dorme, amorzinho... por favor! Amanhã, a mamã vai ter um dia tão difícil no trabalho, já são 4h da manhã... Colabora, amor... Por favor.. Ó-ó...”
E as olheiras de pedinte são disfarçadas, na manhã seguinte, com found-teint mal espalhado pela cara sonolenta. Porque o despertador já tocou e hoje, como todos os dias, “desde que nasceste, sou eu que te dou o leite, te visto e levo à creche”. Há toda uma gestão diária de recursos que, no caso destas senhoras, é tarefa exclusiva. E para serem bem sucedidas, tratam de perceber que elas são o melhor recurso humano a reter. Porque aceitam o desafio, inventam caminhos, cumprem os objectivos. Mesmo que sonhassem estar a trabalhar em equipa, ter um maior ordenado e mais dias de descanso.
Voltando ao Papa Francisco, também podiamos imaginá-lo a dizer daqui a uns 50 anos: Não existem mães casadas, existem mães.
Autoria: Sofia Anjos
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