Sabemos que isto é a vida, que não ficamos cá para todo o sempre, mas a verdade é que a dificuldade para lidar com isto é desmedida.
Não estava preparada para ter perdido a minha avó aos 20 anos, não estou preparada para o que está a acontecer agora com o meu padrasto e ainda por cima tudo estar a ocorrer na altura desta porra do Covid em que nem sequer nos deixam entrar num hospital, acompanhar a nossa pessoa, dar-lhe a mão, um beijo, olhar no fundo e dizer sem palavras o quanto o amo e o quanto lhe estou grata por ter sido sempre tão meu amigo, por ter sido o único homem que nunca me falhou. Não é comum ter um padrasto que depois de estar separado de uma mulher há cerca de 20 anos, continue a tratar como filha e com tanto carinho, uma filha que não o sendo, acabou por sê-lo.
Tantas memórias que tenho, tantas brincadeiras, tanta amizade, tanto carinho - foi capaz de vibrar mais por mim em certas alturas do que a minha própria mãe. Motivou-me sempre, procurou sempre que eu acreditasse em mim e que jamais me sentisse inferior a quem quer que fosse. Grande "partner in crime", tantas vezes que contra as ordens da minha mãe pegava em mim e ia ceder às minhas vontades de miúda com mania de rica, que tinha que ter as calças, os blusões, as botas e os ténis iguais aos dos outros.
Os ensinamentos que me transmitiu, o fazer-me andar por cima das rochas cravadas de mexilhões na praia do Magoito - para eu ficar rija e deixar de ser maricas com os pés. Noites em que ficava à porta das festas de faculdade à minha espera, assumindo ele perante a minha mãe todas as responsabilidades e garantir que nada de mal me acontecesse - se assim não fosse, não iria, e ele, sempre disponível. Foi ele que achou que eu merecia uma festa e uns presentes especiais quando terminei o curso, pois a minha mãe é mais da opinião que "não fiz mais do que a minha obrigação" - enfim, foi ele que me deu sempre a parte mais lúdica da coisa, mais objectiva, mais divertida. Ao longo de 30 e tal anos de convivência, zangou-se comigo uma vez e acredito que lhe tenha dado razões para me chamar à atenção várias vezes - eu faço-o com a minha filha diariamente. Mas para ele, a "Tanokinha" era the best e fez-me sempre sentir isso.
....e agora grande amiga lhe saí. Não consigo mover montanhas para lhe dar saúde, não consigo estar perto dele e agarrar-lhe a mão, dar-lhe beijinhos, dar apoio à minha irmã que está a ser uma heroína e está a levar com os primeiros embates sozinha. Senti na terça-feira que precisava de estar com ele, de o ir ver, mas mais uma vez fui na conversa da minha mãe que não era preciso ir a correr, e o Covid, e os meus pulmões, e a minha filha, e que ele estava controlado, e que está melhor....tretas, quando é que eu perco a mania de lhe dar ouvidos e ir contra o que a minha intuição me diz!?
Fiz videochamada, mas não é a mesma coisa. Não há o toque e eu sou uma pessoa que gosta de dar um abraço, de fazer uma festinha....não houve uma conversa mais séria, não houve a partilha da minha gratidão, não era a forma correcta de o fazer. Ele, brincalhão como sempre, não perde o bom humor. Disse à neta que quando ficasse bom ia ver a telescola com ela e ensinar-lhe umas coisas - e foi aí que se emocionou, tal como eu, mas disfarçámos. A malta é forte, a malta não dá parte fraca.
Mas as fraquezas estão cá todas...brotam dos olhos, da alma e do coração. Sinto que estou a perder muito mais do que um pai, sinto que estou a perder um grande, grande amigo e esta saudade que dói não me vai abandonar nunca.
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