Poderia falar de eventos ocorridos antes de Cristo ou após a sua suposta passagem. Poderia falar acerca daquela fantástica banda rock australiana que eu ouvia nos primórdios da minha adolescência…aqueles grandes malucos…mas não. Falo mesmo do pré e pós Covid-19 que vai marcar as nossas vidas e perdurará na História como tantas outras epidemias e pandemias ocorridas ao longo de séculos e séculos.
Como se já não bastasse o termos que tomar uma série de cuidados sanitários, temos a própria profilaxia e mais do que tudo, a doença. Não há decerto alguém que não tenha sentido o seu impacto, directa ou indirectamente.
Eu por mim falo. O meu padrasto passou os seus últimos meses de vida no auge da eclosão deste maldito vírus que fez com que não pudéssemos acompanhá-lo no fim e tivéssemos que lhe “fazer as visitas” por videochamada, só possíveis pela boa vontade da psicóloga da unidade de cuidados paliativos em que ele partiu.
Permitirem-nos ver os seus restos mortais foi outra benesse. Porque em teoria não poderíamos entrar na unidade, mas lá circulámos pela porta dos fundos e deixaram-nos despedir dele com toda a dignidade, num quarto e ele ainda na sua caminha…e ali ficámos o tempo que entendemos.
Um funeral circunscrito a 10 pessoas com cemitério de porta fechada. Mesmo não sendo a causa de morte o vírus, as regras eram essas para evitar riscos de contágio entre os assistentes. Mas jamais recuperaremos o que nos foi retirado.
Celebrações de vida, nascimentos e afins também se viram alterados e as nossas relações sociais, idem. Teve os seus pontos interessantes. O perceber a cru que continua a haver muito ser humano que não vale o ar que respira e que o egoísmo e o narcisismo despontam em momentos de crise.
No meu corpo fiquei marcada para sempre no braço esquerdo após a toma da segunda dose, para jamais me esquecer que fui inoculada com a vacina contra o vírus maldito. E que marca ali ficou que mais parece um angioma gigante. E após o meu corpo ter travado uma luta contra o dito cujo, e o meus anticorpos terem actuado estoicamente, ainda não me sinto a mesma.
Faço parte do grande grupo de sobreviventes é certo, sem ventiladores, estados de coma, ECMO e afins, mas passei um mau bocado e ainda lhe sinto os efeitos quase um mês depois.
E para além de me ter ficado marcado literalmente na pele, qual tatuagem que não escolhi (e eu que nunca quis tatuagens no meu corpo, mas de facto não se pode dizer nunca), ficar-me-á para sempre na memória. E não, não estou preparada sequer para passar por uma nova infeção no futuro…algo que certamente, mais cedo ou mais tarde, ocorrerá.
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