"(...)Lembro-me de que essa manhã foi invadida por um aguaceiro desalmado, ouvia-se uma chuva grossa e pesada lá fora mas deve ter sido passageira porque quando acabou a Edite ainda estava ao telefone. A partir de então tudo o que sei é que me pus ao espelho da casa de banho a barbear-me com a passividade de quem está a barbear um ausente - e foi ali.
Sim, foi ali. Tanto quanto é possível localizar-se uma fracção mais que secreta de vida, foi naquele lugar e naquele instante que eu, frente a frente com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transferi para um Outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz da menor relação passado-presente, de imagem-objecto, do eu com outro alguém ou do real com a visão que o abstracto contém. Ele. O mesmo que a mulher (Edite, chama-se ela mas nada garante que esse homem ainda lhe conheça o nome, que não a considere apenas um facto, uma presença) exacto, esse mesmo Ele, o tal que a Edite irá encontrar, não tarda muito, a pentear-se com uma escova de dentes antes de partirem de urgência para o Hospital de Santa Maria e o mesmo que, dias depois, uma enfermeira surpreenderá em igual operação ao espelho do lavatório do quarto.(...)"
Extracto do livro De Profundis, Valsa Lenta
José Cardoso Pires
José Cardoso Pires, a par de alguns outros escritores é daquelas pessoas que não se esquece. São pessoas intemporais, inesquecíveis e irrepetíveis.
Mas, uma coisa é não serem esquecidos (as) na nossa memória, outra coisa é a memória colectiva, o justo reconhecimento tanto em vida como após a partida de nomes tão sonantes das artes e da cultura.
Por isso, foi com grande satisfação que recebi a notícia da publicação póstuma de mais uma obra que nos deixou JCP, Lavagante. Vai fazer sem dúvida parte da minha biblioteca em permanente construção.
Foi com grande satisfação também que soube que a família Cardoso Pires decidiu doar à Biblioteca Nacional o espólio do escritor - rabiscos, escritos e manuscritos merecem ser vistos por todos nós e servir-nos não só como fonte de inspiração, como também como auxiliares de memória, para que nunca esqueçamos tamanho talento para as letras.
Para mim tudo começou há muitos anos com A Balada da Praia dos Cães...
Sim, foi ali. Tanto quanto é possível localizar-se uma fracção mais que secreta de vida, foi naquele lugar e naquele instante que eu, frente a frente com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transferi para um Outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz da menor relação passado-presente, de imagem-objecto, do eu com outro alguém ou do real com a visão que o abstracto contém. Ele. O mesmo que a mulher (Edite, chama-se ela mas nada garante que esse homem ainda lhe conheça o nome, que não a considere apenas um facto, uma presença) exacto, esse mesmo Ele, o tal que a Edite irá encontrar, não tarda muito, a pentear-se com uma escova de dentes antes de partirem de urgência para o Hospital de Santa Maria e o mesmo que, dias depois, uma enfermeira surpreenderá em igual operação ao espelho do lavatório do quarto.(...)"
Extracto do livro De Profundis, Valsa Lenta
José Cardoso Pires
José Cardoso Pires, a par de alguns outros escritores é daquelas pessoas que não se esquece. São pessoas intemporais, inesquecíveis e irrepetíveis.
Mas, uma coisa é não serem esquecidos (as) na nossa memória, outra coisa é a memória colectiva, o justo reconhecimento tanto em vida como após a partida de nomes tão sonantes das artes e da cultura.
Por isso, foi com grande satisfação que recebi a notícia da publicação póstuma de mais uma obra que nos deixou JCP, Lavagante. Vai fazer sem dúvida parte da minha biblioteca em permanente construção.
Foi com grande satisfação também que soube que a família Cardoso Pires decidiu doar à Biblioteca Nacional o espólio do escritor - rabiscos, escritos e manuscritos merecem ser vistos por todos nós e servir-nos não só como fonte de inspiração, como também como auxiliares de memória, para que nunca esqueçamos tamanho talento para as letras.
Para mim tudo começou há muitos anos com A Balada da Praia dos Cães...
Comentários
Independentemente dos seus contemporaneos, serem grandes escritores e talvez mais reconhecidos no meio, (Saramago e Lobo Antunes), ele merece também todo o respeito, penso mesmo que alguns dos prémios e reconhecimentos atribuidos a esses seus contemporaneos, ficavam melhor com ele. (opinião estritamente pessoal).
Tal como tu, foi a "Balada da Praia dos Cães" que me apresentou o Zé cardoso Pires.
P.S. Na minha opinião o escritor que actualmente mais se aproxima a ele, é o Zè Luís Peixoto, aconselho-te vivamente a leres os livros dele, se ainda não leste nada dele, são simplesmente fabulosos.
P.S.(2) caso te interesse ficam os meus contactos, se algum um dia quiseres discutir algum assunto/pedir alguma opinião, estás sempre á vontade
npipas1@hotmail.com (msn)
npipas@gmail.com
pipas