Avançar para o conteúdo principal
Despedi-me do corpo da minha Madrinha, daquela matéria que já nem sequer era ela...um corpo macerado, sem cabelo, inchado, desfigurado, uma cicatriz ao longo da cabeça, sem expressão...e ver-nos nas fotografias do meu baptizado em 1982, ela tão airosa, tão bonita.

Nunca pensei numa coisa destas, nunca se pensa - mas ver a minha Madrinha como ficou é algo inexplicável. A minha avó morreu com um cancro, mas não perdeu as feições dela - a minha Madrinha até isso perdeu.

Despedi-me, perante aquela urna disse-lhe que nos voltaremos a encontrar; toquei-lhe na esperança de não passar tudo de um pesadelo, mas era real, ela estava gelada. Alguém achou por bem trazer a peruca (do que as pessoas desocupadas se lembram nestas alturas), mas o facto é que dou a mão à palmatória e ela ficou melhor....ao longe, muito de longe e pelo canto do olho, via-se a pontita do nariz e parecia estar a dormir.

Não pude ficar mais tempo, não quis ficar mais tempo; chegam as pessoas do costume com perguntas parvas, a quererem saber da vida dos outros e eu fui apenas despedir-me dela. Tal como quando perdi a minha avó, invade-me o mesmo sentimento - não lhe disse em vida as vezes suficientes o quanto gostava dela, o quanto lhe estava grata, mas eu sei que ela sabe. É das poucas pessoas com quem tenho uma relação umbilical; tinha com a minha avó, tenho com a minha mãe, com a minha filha e com a minha irmã, por razões óbvias e com a minha Madrinha, por principalmente 3 motivos. Em 2007 salvou-me a vida pela primeira vez, quando eu estava prestes a morrer com uma pneumonia aguda, em 2010, algumas semanas antes salvou-me a vida pela segunda vez, não importa as circunstâncias, importa que eu estava em muito sofrimento e ela apercebeu-se na altura certa; e esteve comigo quando estava a dar vida à minha filha. O meu trabalho de parto foi passado com ela, foi ela que fumou os cigarros que o progenitor da minha filha devia ter fumado, foi ela que me humedeceu os lábios quando as forças já me abandonavam, foi ela que me fez festinhas nos momentos em que eu achava que não ia aguentar mais, foi ela que se apercebeu na altura certa que algo não estava bem comigo e que nessa sequência me puseram com oxigénio e uma monitorização que a impediu de assistir às últimas 2 horas de trabalho de parto. Foi ela que veio cá fora vezes infindáveis, e falava com os pais nervosos que assistiam ao nascimento dos seus bebés, ia fazendo os updates aos amigos e familiares...e hoje sinto que o nó se desfez.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Já começo a sentir o cheiro a férias...

Embora esteja a braços com uma bela gripe de Verão; antes agora, do que daqui a uns dias.

Folder "Para quê inventar" #6

 Também existe quem publicite "Depilação a Lazer"!  Confesso que quando olhei há uns dias para uma montra de um instituto, salão ou lá o que é de "beleza" fiquei parada por alguns momentos, não sabendo bem se deveria benzer-me, fazer serviço público e ir avisar as pessoas que aquilo estava mal escrito ou pura e simplesmente, seguir o meu caminho. Foi o que fiz, segui o meu caminho, porque na realidade não me foi perguntado nada, portanto não vale a pena entrar em contendas com desconhecidos à conta de ortografia. Mas...."depilação a lazer" é mesmo qualquer coisa! Para mim, não é mesmo lazer nenhum e posso confirmar que provoca até uma sensação algo desconfortável no momento, que compensa depois, mas daí a ser considerado lazer, vai uma distância extraordinária.

Dia de Reis

 Este dia foi sempre muito falado lá em casa quando era apenas uma menina. Sempre ouvi a minha avó dizer que na sua infância era apenas neste dia que recebiam algum presente (poucos acredito data a dureza da época e, apesar da minha bisavó naqueles idos anos 30 do século passado ser enfermeira, o ter enviuvado ainda na casa dos 30 anos e com 5 filhos muito pequenos não lhe tornou a vida próspera). E então, quando eu era pequenina, no dia de Reis sempre houve a tradição de se abrir um bolo rei lá em casa - a minha avó ainda auspiciava deixar a mesa posta do Natal aos Reis para que os "ausentes" também pudessem usufruir das nossas iguarias mas a minha mãe já não ia nessa conversa. Também deixava um copinho com leite e umas bolachinhas para o Pai Natal comer e levar ao Menino Jesus e também sempre ouvi falar na Tia Reis (irmã da minha avó que, por ter nascido no dia de Reis, não mais se livrou da epifania ao ostentar o tão pomposo nome de Maria dos Reis). E guardo tudo na minha ...